Eu não sou mais um Bebe!

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Uma criança de dois anos está descobrindo algo muito valioso: que tem desejos e vontades diferentes dos seus cuidadores. Imagine só passar dois anos de sua vida (sua vida inteira no caso), comendo conforme o desejo dos outros, usando roupas que outras pessoas escolheram, brincando com brinquedos escolhidos para você, indo a lugares que talvez você nem quisesse tanto assim… até que você consegue formar a palavra não e percebe que alguns comportamentos, como se jogar no chão, chorar muito e talvez até gritar, podem fazer com que suas vontades também sejam postas na mesa. Que descoberta poderosa!

Quando pensamos em criar seres humanos autônomos, donos de si que levam uma vida boa fazendo boas escolhas, muitas vezes não lembramos que este é um aprendizado que inicia na infância. Até pouco tempo atrás as crianças eram criadas como se seus desejos não importassem. Frases como “Enquanto você viver sob o meu teto, fará o que eu quiser” eram ditas cotidianamente para lembrar quem é a autoridade na casa. 

E então, quando essas crianças crescem e fazem 18 anos, esperamos que elas saibam decidir para qual faculdade irão e qual carreira irão seguir. Esperamos que saibam ir sozinhas ao médico, se locomover pelo mundo sem a nossa ajuda e tomar boas decisões. Como podemos esperar criar adultos funcionais e capazes de fazer boas escolhas, se sua autonomia é sempre desrespeitada na infância? 

Talvez muitos de nós já tenham ouvido falar dos “terríveis dois”, mas fica aqui o convite para pensar a fase que se inicia a partir desta idade como um encontro com a individualidade, com as próprias opiniões e vontades. 

Uma crianca a partir dos dois anos quer ajudar na casa, quer ajudar a fazer compras no mercado, quer participar da vida cotidiana, conversar, organizar, compreender o mundo, entender as consequencias das suas escolhas, cantar alto, dancar esquisito, compreender a si mesma e o mundo que a cerca. Ela quer aprender tudo isso e para aprender, ela precisa praticar! A partir desta idade, a criança convida o adulto a desacelerar e a ver o mundo de uma forma um pouco mais lúdica e dar espaço para o desenvolvimento livre da criança…

A Partir dos Dois Anos:

Aos dois anos de idade, a criança conquista algo vital para sua existência humana na terra: sua independência física. Ela caminha livremente, corre, pula, escala, abre e fecha portas, potes, se alimenta e encaixa objetos. Essa habilidade importante desenvolve na criança a ideia de que ela pode fazer as coisas por ela mesma e isso gera o desenvolvimento da vontade

Na verdade, a criança age de acordo com sua vontade desde que nasceu. Para um bebê muito pequeno, tudo é novidade. Pode-se dizer que qualquer coisa minimamente interessante vai ser explorada pelo bebê em todos os seus detalhes, pois ele quer absorver tudo de todas as coisas. No entanto, suas “vontades” e “movimentações” são ainda “seguras” e relativamente fáceis para o adulto suprir ou permitir. 

À medida que o bebê cresce e começa a se movimentar, ele amplia os seus interesses. Ele não está mais “preso” ao chão, a uma cadeira, a uma cama ou ao colo da mãe. Durante a fase da conquista do engatinhar e andar, a criança se ocupa muito com praticar essas habilidades por bastante tempo. Porém também aumenta muito a chance de encontrar obstáculos ao seu desenvolvimento natural. A criança começa a explorar lugares e objetos que não são mais destinados diretamente a elas. Então, começam os “nãos“. Quando ela chega aos 2 anos, já ganhou muitos nãos em muitas situações, então começa a reproduzir o que absorveu: “não”! 

Ela continua sendo movida pelas suas vontades, que muitas vezes entra em conflito com as vontades dos adultos. E a criança repete o que ouviu do adulto: não. Uma criança que diz muitos nãos, em geral, ouviu muitos também. O “não-querer” nada mais é do que o desejo da criança de continuar seguindo a sua vontade.

Querer ou não querer, eis a questão!

Até os dois anos a criança ainda está muito conectada aos seus impulsos, em grande parte instintivos. O bebê nasce com corpo e mente conectados: quando ele faz alguma coisa, ele o faz com todo o corpo e quando o corpo se movimenta, a mente está conectada ao movimento. Os obstáculos que o bebê passa a encontrar ao longo da vida é que o faz perder essa conexão: a criança quer pegar água para beber, o adulto – no intuito de ajudar – pega o copo, o enche de água e entrega para a criança. A criança se frustra. Afinal, a vontade de pegar a água para tomar continua lá e não foi satisfeita. 

A metáfora do rio pode ajudar a entender um pouco esse processo: o desenvolvimento da criança é como um rio. Os obstáculos, sejam do ambiente, seja do adulto, são pedras que podem acumular no rio. Se a pedra é pequena, ela desvia e continua o seu desenvolvimento. Se a criança encontra um obstáculo muito grande, o rio se divide, e nesse momento, a mente e o corpo dela se separam e a criança aprende a estar fazendo uma coisa, pensando em outra.

Perto dos dois anos ela passa a agir de acordo com o seu querer e o não-querer. Uma criança que tem a oportunidade de crescer num ambiente preparado para ela, onde ela possa se movimentar livremente, onde ela encontre atividades que suprem as suas necessidades de desenvolvimento a mantendo concentrada no seu desenvolvimento, raramente precisa ouvir um não. E, se além disso, ela tiver adultos preparados que conseguem “ler” e respeitar seus momentos de concentração e trabalho, ela raramente precisará impor sua vontade. 

A partir dos dois anos, a criança passa a ter períodos sensíveis direcionados a organização da sua presença no mundo como ser desejante e passa a desenvolver as suas vontades e as ações necessárias para ter sucesso em suas empreitadas com autonomia. 

Período Sensível da Ordem: 2 a 6 anos

Já não sou mais um bebê! - 3

A independência abre uma porta dentro da criança e diz: você pode mais! Ela já não precisa tanto dos adultos como precisava anteriormente, agora ela precisa se sentir segura também em relação ao ambiente e ao tempo. Este período dura aproximadamente dois anos. Até os 4 anos a criança precisa de ordem como precisa do ar.

Existem três tipos de ordem que as crianças precisam:

  1. Ordem no Ambiente
  2. Ordem no Tempo
  3. Ordem na Conduta

A ordem no ambiente quer dizer que a criança deseja encontrar cada coisa em seu lugar e cada coisa sempre no mesmo lugar. A criança precisa saber como seu ambiente é para poder se arriscar em novas conquistas, e por isso é importante que ele se repita dia após dia. A ausência disso leva ao desespero. Essa é uma necessidade que aflora aos 2 anos, mas existe desde o nascimento. O bebê também é muito sensível à ordem e à rotina.

A ordem no tempo quer dizer que a criança precisa de rotina. O relógio não importa. O que importa é a ordem: café da manhã, escovar os dentes, tomar banho, vestir-se, pegar a mochila. A repetição dessas sequências, especialmente na parte da manhã e da noite, dão referência temporal para a criança para que ela possa se organizar internamente. 

A ordem na conduta diz respeito ao adulto. É a coerência com que eu estou agindo com a criança. Significa dizer que eu faço aquilo que eu digo. A máxima “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, além de não funcionar com as crianças, poia as deixam confusas. Nosso comportamento precisa ser coerente. Quando digo que em 15 minutos ela irá tomar banho, isso precisa ser cumprido, de maneira amorosa e respeitosa sim, mas o limite precisa ser respeitado. Vale pensar também o porquê você possui determinados limites. Isso que você impõe a sua criança, faz sentido para você ou é algo que você carrega da sua criação? Quando a criança não tem certeza de como iremos agir, porque mudamos de ideia dependendo dos nossos humores, ela pode ser pega de surpresa e não entender o motivo dessas variações. Sua resposta pode ser desafiar os limites, já que eles estão sempre em movimento, e se revoltar. Porém, é importante lembrar que somos seres humanos e a incoerência faz parte da nossa humanidade. A ordem na conduta é importantíssima, mas respeitar nossas mudanças e flutuações também é.

Período Sensível de Graça e Cortesia: 2 a 6 anos

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Conforme a criança observa os adultos e entende as suas  dinâmicas, elas percebem que, ao imitar determinados comportamentos, desencadeiam efeitos nos adultos. Portanto, passam a imitar e se portar de uma maneira a agradar as pessoas que estão ao seu redor. Esse é um passo importante no desenvolvimento do seu senso de comunidade e socialização no mundo humano, refinando assim suas ações.

Neste sentido, é importante sempre oferecermos para as crianças nossas melhores versões e sempre tratar as crianças como nossas melhores maneiras. Isso não significa sermos pais e mães perfeitos, que nunca erram, nunca sentem raiva ou ficam tristes. Significa saber pedir desculpas quando cometemos um erro ou sermos cordiais uns com os outros. Pedir licença e agradecer a ajuda que recebemos. Enfim, sermos os adultos que esperamos que as crianças se tornem um dia.

Período Sensível da Música e do Ritmo: 3 a 6 anos

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Ao desenvolver seu sentido auditivo, a criança começa a perceber que os sons do mundo podem ter padrões. Sons altos e baixos, graves e agudos, repetições rápidas ou lentas. Ela explora esses sons, primeiro por curiosidade e depois por prazer. Ao mesmo tempo, as músicas que tanto ouvia começam a fazer mais sentido. A repetição aqui é importante pois, a cada vez que escuta, percebe algo que não havia percebido antes e começa a juntar as pecinhas deste quebra-cabeça.  

Podemos auxiliar nesta etapa do desenvolvimento colocando música para ouvir e apreciar a música, sentado e ouvindo a música, preferencialmente em silêncio. O silêncio aqui é importante, para permitir que todos os sons sejam ouvidos com atenção.

Uma outra opção é utilizar de bons instrumentos musicais, desde os mais simples, como um chocalho, até os mais complexos, como um violão. Caso sua criança demonstra interesse por música, aulas de música podem ser interessantes para o desenvolvimento da musicalização. É importante que este seja um desejo da criança e que o prazer dela esteja envolvido, caso contrário, pode virar apenas mais uma tarefa para agradar os adultos. 

Período Sensível do Refinamento dos Sentidos: 3 a 6 anos

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Aos três anos, a criança dá um grande passo no seu desenvolvimento: ela passa a organizar as sensações que absorve a partir de princípios e critérios. Isso pode se apresentar em momentos como quando a criança coloca objetos dentro de objetos, ou quando monta alguma coisa só com os bloquinhos vermelhos. Isso é conhecido como a organização interior da criança em ação. As coisas passam a ter categorias e critérios estabelecidos por ela. Para entender o mundo que a cerca, ela categoriza e analisa tudo, assim como fazem os cientistas.

Como podemos ajudar: 

  1. Deixar ela fazer o que estiver fazendo: a ajuda inútil (quando pensamos que ela precisa de ajuda), explicar como funciona ou interromper a brincadeira podem atrapalhar. Permita que ela faça, observe e espere. Se ela precisar de ajuda, irá te pedir.

A partir daquilo que ela está tentando fazer sozinha, apresente possibilidades de refinamento. Como por exemplo, colocar panelas e tampas e pedir que ela encontre os pares corretos. Apesar de haver diversos materiais prontos que estimulam desta maneira, sua casa já está repleta de materiais do dia a dia. Seja criativo!

Período Sensível da Escrita e da Leitura: 3 a 6 anos

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Após adquirir a linguagem, o próximo passo importante é aprender a ler e a escrever. Este período é uma continuidade do período anterior da linguagem, pois todo o vocabulário adquirido será utilizado aqui. Após completar 3 anos, as crianças começam a experimentar as palavras através do som. Com a ampliação do vocabulário, podemos iniciar a apresentar para as crianças a segmentação fonética por meio de uma sequência de jogos como o jogo dos sons e a gaveta de sons. Após aprender os sons, partimos para as letras. Atividades como a Letra de lixa e o alfabeto móvel podem auxiliar a criança a explorar o alfabeto.

Para saber mais sobre diferentes atividades de alfabetização e encontrar os jogos aqui mencionados ,  clique aqui

A leitura pode entrar em cena depois que a escrita está dominada. Após compor diferentes palavras e compreender os sons, a criança olha para o que está escrito e consegue entender o que está dizendo aqui . Quando isso acontece, a criança pode começar a querer ler tudo o que está escrito à sua volta. Uma ótima ideia é espalhar pedacinhos de papel com as palavras no ambiente que a criança habita. Podem ser tanto com o nome das coisas, como atividades para ela realizar ou recados amorosos. A leitura de livros aqui está mais do que liberada e deve ser incentivada com livros adequados para a idade.

Período Sensível da matemática: 4 a 6 anos

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Após todas essas etapas do desenvolvimento, a criança já experienciou coisas das mais diferentes ordens e passa a encontrar a ordem e o sentido que existem no mundo. Ela percebe então que existem certos padrões repetidos e categorias limitadas. Tudo isso prepara a criança para a “mente matemática”. A matemática é uma forma de linguagem que permite ao ser humano compreender o mundo através de repetições, padrões e categorias.

Nesta fase, é importante apresentar os objetos pelas suas quantidades. Após dominar os números, ela passa a compreender as unidades e as dezenas. Fazer pequenas contas no dia a dia pode ajudar a desenvolver esta habilidade.   

“Nenhum problema social é tão universal quanto a opressão da criança”

A melhor maneira de identificar um comportamento sensível é observar o comportamento da criança. Ela sabe mais sobre ela mesma do que você, deixe que ela te guie neste processo.

Autoras:

Ana Carolina Martinez

Katia Murata Arend

Referencias:

Maria Montessori. Una biografia – Paola Giovetti 

O Método Montessori – Maria Montessori

O Segredo da Infância – Maria Montessori

Para ver mais:

Um filme: Maria Montessori (2023)

Um curso: Lar Montessori – O poder da criança

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